Sociedade de Créditos

Isto é apenas um exercício mental, não é algo que eu defenda, é apenas uma especulação. 

Com o desenvolvimento tecnológico, os avanços na AI e na robótica, inevitavelmente a sociedade vai para caminhar para um mundo onde parte da população não terá emprego. Em certos sectores económicos, o avanço técnico vai permitir ganhos de produtividade tão elevados, será mais viável pagar aos humanos para não fazer nada.

O problema

As anteriores revoluções industriais e tecnológicas permitiram um grande aumento na produtividade e na eficiência, provocaram um efeito deflacionário nos produtos, permitindo ao consumidor comparar os mesmos produtos mas com uma percentagem menor do seu salário.

Como o ser humano é consumista por natureza, a poupança gerada pela revolução, acaba por gastar esse “excedente” em novos produtos, que anteriormente não tinha possibilidades de os ter. A deflação dos produtos permitiu às pessoas com o mesmo salário ter acesso a cada vez mais produtos.

Estes novos produtos, criados por novas indústrias, que necessitam de trabalhadores. Estas novas indústrias absorvem em parte os trabalhadores que ficaram desempregados devido ao fim dos postos de trabalho das indústrias antigas.

Só que a revolução que estamos a viver hoje, será colossal e generalizada, vai abranger a maioria dos setores económicos. Não é apenas uma evolução tecnológica, é tornar o seu humano obsoleto para a maioria dos postos de trabalho. 

Certamente vão surgir novos produtos, novas tecnologias e novas empresas, mas a absorção de trabalhadores será residual, porque essas novas empresas vão optar também por AI e robótica.

Aí surge um problema, o que fazer com as pessoas, o desemprego será grande e sistémico, possivelmente a única solução será o Rendimento Básico Universal (RBU), a maioria das pessoas irão viver de subsídios dos estados.

Os estados não terão recursos infinitos, as pessoas que estão dependentes de subsídios, não conseguem aumentar o seu consumo, logo não serão criar novas indústrias, para gerar novos empregos. Será uma espiral da morte nos empregos, cada vez menos empregos, mais pessoas a viver de RBU.

Vamos viver numa sociedade de RBU, eu acho que será inevitável, a questão não é “se” mas “quando” e “quanto”.

Se é daqui 10, 20 ou 50 anos, não sei, mas vai acontecer. 

Se será 20%, 50% ou 80% da população a receber RBU, não sei.

O crescimento será gradual, ao longo do tempo, mas acredito que poderá atingir os 80% da população sem emprego, a viver de RBU, o problema é, como uma sociedade e os estados vão suportar esses custos?

Vamos fazer um exercício mental, uma especulação dessa sociedade, mas dividindo em duas partes, a parte económica e a parte humana.

Política e Economia

Em termos económicos é um enorme desafio, de onde vem o dinheiro para financiar os salários/subsídios para uma parte significativa da população?

Ainda existe, um outro problema, algo similar ao que acontece nos regimes comunistas, como os incentivos não estão alinhados, a médio/longo prazo é um desincentivo à produção e à inovação.

Numa economia altamente controlada, onde o livre mercado é limitado, inevitável vai resultar em escassez, algo terá que existir para contrariar esse problema. O controle terá que ser a nível da oferta, como na procura/demasiada. 

Num podcast do Miguel Milhão, o seu convidado (JP) explicou a sua tese de uma possível solução para este problema. O vídeo completo está aqui (entre 1:30:00 e as 1:48:00), mas eu fiz um excerto, apenas com a parte fundamental. Apesar de tudo,  são 18 minutos, mas é muito interessante, aconselho vivamente a sua visualização.

Resumidamente, a sua tese baseia-se num sistema com duas moedas fiduciárias controladas pelo estado, uma para os ricos e outra para os pobres. Os pobres vão receber o RBU através de uma moeda fraca e os feudais serão os únicos a ter acesso à moeda mais forte.

Os podres só terão acesso à moeda fraca, essa moeda perde rapidamente o poder de compra, para forçar o consumo. Os feudais, os donos das empresas, terão acesso a uma moeda que preserva melhor o poder de compra, como um incentivo para não deixarem de produzir, para investirem e evoluírem as suas empresas.

Isto vai gerar um divisão de classes tremenda e a única maneira para evitar uma revolta ou uma guerra, é a utilização da CBDC para controlar os cidadãos.

É cenário completamente distópico, mas a tese até tem lógica, em termos económicos até poderia resultar, mas em termos de liberdade, é o seu fim, seremos todos escravos. 

Pegando nesta tese, vou tentar desenvolvê-la um pouco mais, dar a minha perspectiva.

As duas moedas é uma ideia engenhosa para resolver o problema, mas eu prefiro dividir de maneira diferente. Resumidamente, quem tiver atividades produtivas terá acesso à moeda mais forte e que terá atividades não produtivas apenas acesso à moeda fraca. 

Eu imaginando num cenário onde a moeda forte terá uma inflação num valor baixo mas mensais, tudo somado não poderia superar os 3% ao ano.

Enquanto a moeda fraca, além de sofrer inflação, terão juros negativos elevados, para forçar o consumo e destruição da poupança. Estas medidas/políticas apenas poderão ser executadas através da CBDCs, do dinheiro programável, a moeda até poderá ter prazo de validade. 

Só que isto, não se circunscrita ao campo da economia, também terá um forte impacto a nível social,  que consequentemente afetará profundamente a economia.

Social e Comportamento humano

Numa sociedade, onde 80% da população sem emprego, sem qualquer atividade, havendo demasiado tempo livre, vão emergir os vícios, aumento do consumo de álcool, drogas ou jogo, vai gerar conflitos pessoais e sociais tremendos. As doenças mentais e conflitos vão profelirar.

A única maneira de evitar isso, quem recebe RBU será forçado a ter atividades, hobbies para ocupar o tempo. Como ter atividades desportivas, artísticas, viajar ou outras. Além de serem forçados a terem estas actividades não produtivas, são obrigados a assistir às actividades de outros cidadãos.

(As atividade produtivas, são os empregos reais nas empresas, para produzir bens de consumo. As atividades não produtivas, serão atividade criada para manter o ser humano ocupado.)

Por exemplo, uma pessoa pode fazer parte de um grupo de teatro, fazer uma peça de manhã, mas à tarde será obrigada a assistir a um jogo de futebol. E o futebolista, no dia seguinte, será obrigado a ir ver uma exposição de arte e assim sucessivamente. Quem não o fizer será penalizado.

Será uma sociedade falsa, hipócrita, onde tudo é falso, encenada, orwelliana e absurda, mas para que isto tudo funcione, será necessário um sistema de créditos sociais e onde a CBDC terá um papel fundamental. Os humanos vão viver numa espécie de roda de rato, serão escravos. Isto significa, que o valor do RBU, não poderá ser baixo, terá que ser suficiente para financiar os hobbies.

Isto vai provocar uma disparidade social, uma guerra de classes, os produtivos que estão mais protegidos pela moeda forte e os não produtivos, os pobres. Inevitavelmente terá que existir um regime autocrático para controlar as populações, para evitar uma revolta.

Essa sociedade seria tão distópica, que certamente iria emergir uma moeda fora do alcance do estado, o bitcoin ou outra para fugir dessas “prisão”. Os seres humanos são muito criativos e astutos.

Isto leva-nos a duas novas questões existenciais: 

Um número excessivo de pessoas a receber RBU, não poderá incentivar políticas para a redução populacional. As penas de morte poderá ser utilizado como um “incentivo”/chantagem à bondade e honestidade dos seus cidadãos. Também poderá existir uma redução ou uma negação aos cuidados de  saúde, especialmente a pessoas com doenças crónicas ou idosos.

Outra questão existencial é a educação, se grande parte da sociedade não terá emprego, será um RBU igual para todos, qual o incentivo para estudar, para ser bom aluno.

Tudo isto é uma realidade altamente distópica e se acontecer, será só daqui a muitas décadas.