A minha visão pode estar errada devido eu ser português e viver em Portugal, apenas estou a acompanhar à distância a situação do conflito entre o X e a Justiça Brasileira.
A sociedade brasileira está extremamente polarizada, as pessoas estão a ficar cegas, discutem política como discutem futebol, com fanatismo, sem qualquer bom senso.
Existe um provérbio que descreve bem a situação:
«Casa onde não há pão, todos ralham/brigam e ninguém tem razão»
Uma coisa que eu acho muito estranho, especialmente nas pessoas que defendem a bloqueio do X, os seus argumentos baseiam-se essencialmente em um ataque pessoal, ao caráter do Elon Musk. É claro que o Musk não é um santo, cometeu e comete muitos erros, será que ele é o único a cometer erros neste caso? Mais ninguém cometeu?
É verdade que o X foi conivente na censura na Índia e na Turquia, mas por ter sido conivente no passado, tem ser sempre conivente para o resto da vida e para todas as situações. Num país em ditadura a censura é “normal”, o que sai da norma é quando existe censura num país dito em Democracia.
Se os dois lados estão errados, porque só falam e criticam um lado, sobre o outro lado existe um silêncio ensurdecedor, até parece que tem medo de falar. Se existe medo, é porque algo existe…
Os argumentos baseiam-se no ataque pessoal, mas praticamente não expressam a sua opinião pessoal sobre a origem do problema. O bloqueio do X é uma consequência, mas o fundamental a debater é a causa, a ordem judicial que impediu dezenas de pessoas de utilizarem redes sociais. Depois, como o X não cumpriu essa ordem judicial, a rede social foi bloqueada, mas isto é a segunda parte do problema. O fundamental é a primeira parte, a ordem judicial.
Houve ou não motivo para o bloqueio dos perfis? Houve ou não censura? Deve ou não existir censura?
É as respostas, a estas respostas que eu gostava de ver.
Moderação vs Censura
A polarização está tão elevada, que as pessoas não conseguem analisar o caso com isenção, estão completamente influenciados pelas suas preferências/ideais políticos. Os da direita estão contra o bloqueio, acusando o governo de censura e de limitar a liberdade de expressão. Enquanto as pessoas de esquerda, apoiantes do Lula estão a favor do bloqueio e da moderação nas redes sociais. Isto acontece porque parte significativa dos perfis bloqueados são da oposição.
Aqui estão as duas palavras chaves, moderação e censura. Não existe diferença entre moderação e censura, são exatamente a mesma coisa, a diferença está na opinião de quem olha para as palavras, isto é especialmente visível no caso de fake news.
Eu sou da opinião que ninguém deve ser bloqueado por fake news, as pessoas devem ter plena liberdade de expressão, até ter a liberdade de mentir. Porque moderar fake news é censurar, é dar um poder desproporcional ao governo, que poderá utilizar esse poder contra o povo. Ou seja, para existir moderação, terá que existir um organismo (normalmente do estado) que determina o que é verdadeiro ou o que é falso, uma espécie de Ministério da Verdade. Só que isto é uma caixa de pandora, os governos vão aproveitar, como são eles que definem o que é verdade ou mentira, podem ocultar os seus escândalos e podem limitar a sua oposição, é o fim da liberdade de expressão e de imprensa.
Vamos um exemplo de um país/governo imaginário, onde o seu ministério da verdade determina que a vacinação é obrigatória e quem pronunciar qualquer informação contra a mesma é considerado fake news e será condenado por isso. Isto resulta em milhares de condenados e muitos perfis em redes sociais apagados e a sociedade fica completamente dividida. Os pró-vacinas são a favor da moderação dos conteúdos das redes sociais. O oposto acontece com as pessoas anti-vacinas, que consideram que esta medida é uma censura, uma limitação da liberdade de expressão, que o governo está a calar a oposição.
Só que passado dois anos, existe uma eleição e o partido anti-vacinas acaba por vencer. A partir desse momento, o novo ministério da verdade inverte a doutrina, o que era fake news passa a ser verdade e o que era verdade passa ser mentira. Agora é a vez do partido anti-vacinas a silenciar e a perseguir a oposição ou todas as pessoas que são ou foram a favor da vacinação.
Aquelas pessoas que anteriormente eram a favor da moderação das redes sociais, mudam rapidamente de opinião e começam a acusar o novo governo de estar a fazer censura nas redes sociais. Mas na realidade este novo governo está a fazer exatamente a mesma coisa que o governo anterior, por esse motivo não deve haver algo que determine o que é ou não fake news, ou seja, que limite a liberdade de expressão.
Isto é algo que pode acontecer no futuro no Brasil, tem tudo para correr muito mal.
A Venezuela é um exemplo claro disto, foi claro para todo o mundo sabe que houve fraude nas eleições, Maduro perdeu as eleições. Mas como ele controla tudo, determinou arbitrariamente que foi ele o vencedor, a “verdade” é esta, quem o disser o seu contrário, será acusado por fake news ou mesmo terrorismo.
Os governos diretamente ou indiretamente não podem fazer a moderação, nem dar ordem às redes sociais para silenciar pessoas. É uma caixa de pandora.
Online vs Mundo real
Eu sou um forte defensor da liberdade de expressão, na minha opinião só deve ser permitido um bloqueio de um perfil só em casos muito extremos, em caso de crimes muito graves e que não seja possível identificar o seu autor. A ofensa ou fake news não se enquadra neste perfil de gravidade.
Se existe um crime e o autor é identificado é um assunto a resolver nos tribunais, e nunca um motivo de censura prévia.
A internet e as redes sociais não devem ser discriminadas, devem ser tratadas igualmente como se o caso acontecesse no chamado mundo real. Eu tenho toda a liberdade de sair à rua e gritar bem alto que o meu vizinho, é um ladrão, é claro que este acto de liberdade vai provocar consequências graves para mim, mas tenho a liberdade de o fazer. O meu vizinho pode chamar a polícia, sou identificado e terei que ir a tribunal. Caso eu não comprove que o meu vizinho é ladrão, eu serei condenado por injúrias.
Nas redes sociais a situação tem que ser idêntica, as pessoas são identificadas, que no caso do Brasil, como era perfis de pessoas com notoriedade, o X nem necessitou de os identificar, depois devem ser condenados em tribunal. Dependendo da gravidade do insulto, o acusado pode ser condenado, em nenhum momento pode ser limitado de se expressar. É claro que o tweet deve ser eliminado, mas apenas o tweet do insulto e nunca um impedimento legal de utilizar redes sociais.
Se usássemos o mesmo modus operandi deste caso no Brasil no mundo real, o condenado ficaria impedido de falar na rua e/ou em locais públicos, seria uma situação completamente ridícula, como é ridícula impedir de uma pessoa falar online.
Em todo o mundo, a internet é um local onde governos violam contantemente as leis e as constituições, monitorando e violando a privacidade dos seus cidadãos, onde a censura é cada vez mais a norma, um mundo distópico. As violações de privacidade são tão comuns, que o povo já não reage, conformou-se.
No caso do Brasil, houve ainda outras coisas “estranhas”, como a proibição da utilização de VPN e o bloqueio à Starlink, é verdade que tem um acionista em comum, mas são duas empresas diferentes. Por momento parece que deixou de ser um caso de justiça, até parece uma vingança pessoal…